Quando vi o título da notícia,
a minha primeira reação foi de incredulidade. Depois, pondo de lado as emoções,
passei à leitura e análise mais técnica da notícia.
Não tenho uma opinião formada
sobre a decisão, pois não conheço bem o sistema educativo de Cabo
Verde. Nem tinha a mínima ideia de que a taxa de insucesso na conclusão do 12.º ano
ultrapassa os 50%.
Deixo apenas algumas observações.
1.ª-
Chamou-me a atenção o facto de a ministra afirmar que a língua portuguesa não é
na prática a língua materna. A definição estabelecida no Ciberdúvidas parece
dar-lhe razão: “Língua materna é a que um ser humano aprende na infância até
aos 5/6 anos.” Se o que as crianças cabo-verdianas aprendem é casa é o crioulo, essa é, tecnicamente, a sua língua materna...
2.ª- No
entanto, o assunto não é novo. Veja-se esta notícia de 2010:
Português deve
ser ensinado em Cabo Verde como língua estrangeira, defende Germano de Almeida
O escritor Germano Almeida defende que a língua
portuguesa deve ser ensinada em Cabo Verde como língua estrangeira para que os
cabo-verdianos passem a falar melhor o português.
Em entrevista à Agência Lusa, o escritor cabo-verdiano
afirmou que no arquipélago há a ideia de que a população é bilingue, "o
que não corresponde a verdade".
"O que vejo em Cabo Verde é uma defesa desmesurada
do crioulo, quando o crioulo não está em risco e o crioulo limita-nos,
fecha-nos sobre nós próprios", afirmou.
3.ª- A
situação na Guiné-Bissau (com que contactei recentemente) é ainda mais problemática
do que a de Cabo Verde. Por um lado, as crianças só têm contacto com a língua portuguesa
quando iniciam a escolarização. Por outro, apenas 13% da população fala
português (44% fala crioulos de base portuguesa e os restantes, inúmeras
línguas africanas).
Diz-se até que, neste momento,
o número de falantes de língua francesa já ultrapassou os que se exprimem em
português, realidade que pude constatar nos mercados ao ar livre, sobretudo
fora de Bissau.
Português passa a ser ensinado como língua
não-materna a partir do próximo ano lectivo
(Agência Lusa /
Expresso das Ilhas – 7/12/16)
O governo vai introduzir a
partir do próximo ano lectivo o ensino do português como língua segunda com o
objectivo de fortalecer a língua portuguesa no país, disse hoje a ministra da
Educação, Maritza Rosabal.
O Governo vai contar neste
processo com o apoio técnico de Portugal, ao abrigo de um acordo de cooperação
assinado hoje, na cidade da Praia, pela ministra e pelo vice-presidente do
Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, Gonçalo Teles Gomes.
Em declarações aos jornalistas
no final da cerimónia, Maritza Rosabal apontou a baixa eficiência do sistema de
ensino cabo-verdiano e sublinhou a necessidade de atacar este problema.
"A língua portuguesa é
abordada como língua primeira de Cabo Verde, quando não é. Temos uma eficácia
do sistema muito baixa, em que apenas 44% das crianças que começam o primeiro
ano finalizam o 12º em tempo. Temos muitas perdas", disse.
Maritza Rosabal adiantou que
entre os alunos cabo-verdianos a capacidade de leitura e interpretação e a
proficiência linguística são questões que se colocam "com muita
acuidade".
"Toda esta duplicidade
linguística afecta o processo. Reconhecemos que a nossa língua materna é o
crioulo, mas como língua instrumental de trabalho e de comunicação temos que
fortalecer a língua portuguesa", sustentou a ministra.
A responsável assinalou também
"algumas dificuldades" de Cabo Verde na inserção no espaço lusófono.
"O Brasil exige provas de
língua portuguesa aos nossos estudantes, o instituto Camões exige provas de
língua portuguesa o que quer dizer que, apesar de estarmos no espaço lusófono,
começamos a não ser reconhecidos como um espaço com proficiência linguística em
português", disse.
Por isso, já no próximo ano
lectivo, o ensino de português como língua segunda ou língua não materna
começará a ser introduzido no ensino pré-escolar (4/5 anos) e no primeiro ano
no ensino básico, estendendo-se depois progressivamente aos restantes anos do
primeiro ciclo.
Neste momento está em curso,
segundo a ministra, a elaboração dos materiais com o apoio do instituto Camões,
que irá ainda dar assistência técnica na elaboração de metodologias, programas
e desenvolvimento e alteração de currículos.
O protocolo envolve os
ministérios da Educação de Cabo Verde e Portugal e o Camões - Instituto da
Cooperação e da Língua como entidade financiadora do projecto avaliado em 45
mil euros.
"O Camões será o
financiador do protocolo, o ministério da Educação vai disponibilizar um dos
seus quadros para vir para Cabo Verde trabalhar com o ministério da Educação
cabo-verdiano na área do desenvolvimento curricular e capacitação
técnica", explicou Gonçalo Teles Gomes.
Fonte: http://www.expressodasilhas.sapo.cv/politica/item/51215-portugues-passa-a-ser-ensinado-como-lingua-nao-materna-a-partir-do-proximo-ano-lectivo
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