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agosto 31, 2019

Bissau 9/19: Missão cumprida!

Foto de família!


Dois meses, três cursos, quatro ilhas e uma capital. Aventuras únicas, quase místicas (algumas ainda por contar), ritmo de trabalho frenético (em Bissau).
Ontem, para a despedida, um vibrante concerto de jazz com o “Jery Quinteto”, em que o guitarrista é um dos alunos do curso de bolseiros (Jeremias = Jerry).´ 
O Jeremias em ação!

Durante o espetáculo, com sala cheia, foram projetados poemas haiku produzidos nas aulas e os alunos tinham preparado uma surpresa...

As palavras gentis, os sorrisos, os abraços, os beijos e o carinho estiveram sempre presentes nesta aventura. De coração cheio, regresso hoje, em voo noturno (logo eu, que não fico nada tranquilo dentro de um avião…), chegando a Lisboa na madrugada de domingo.
Com garantia do financiamento do voo, irei voltar daqui a três semanas para mais um desafio no âmbito da língua portuguesa, em Bissau, durante um mês.
Todos os amigos que tenham disponíveis lápis (de carvão), borrachas, apara-lápis, esferográficas e cadernos pautados pequenos (A5), tenho umas dezenas de guineenses de palmo e meio que fazem parte de uma academia de futebol que vão adorar recebê-los. E se alguém tiver ligações a um clube de futebol e conseguir uma ou duas bolas de futebol (mesmo usadas), a festa vai ser total!
Um abraço muito feliz para todos.
António
Nota: Os 14 bolseiros irão partir para Portugal para, consoante os casos, irem frequentar licenciaturas, mestrados e doutoramentos em diferentes partes do país. A minha associação "Ser Mais Valia", no âmbito do projeto Kripor Mentoring, irá continuar a acompanhar e apoiar estes jovens durante o tempo que durarem os respetivos cursos.

agosto 25, 2019

Bissau 9/19: A todo o gás!

O jardim onde costumo trabalhar nos poucos momentos em que não chove.


Depois de quase um mês na ilha sagrada de Rubane (ainda com algumas experiências para partilhar), regressei a Bissau, onde tenho net com mais regularidade, mas nem sempre dá para publicar posts no blogue e partilhá-los no Facebook.
No primeiro dia de agosto, iniciei uma dupla missão que, além da preparação dos materiais e preparação das autocorreções, me ocupa cerca de 6 horas de aulas por dia, de segunda a sexta. 
Das 9h até à hora de almoço, com os jovens bolseiros do Instituto Camões (projeto Kripor 3) e, a partir das 17h, com os funcionários do Hotel Coimbra. 
Este último curso não estava previsto e foi-me proposto como contrapartida pelo alojamento (confortável) e alimentação (bem confecionada) que me está a ser proporcionada pelo hotel. Apesar de estar a ser um trabalho muito desafiante por estar a ser preparado aqui, um pouco em cima do joelho, e pela heterogeneidade de conhecimentos dos alunos (todos homens, sendo a maior parte são muçulmanos), o humor, o acompanhamento individual, as canções, os jogos, os incentivos e a celebração efusiva de cada sucesso (umas vezes com um "yes!", outras, com um "simmmm!" à CR7) fazem milagres na motivação de cada um. Às vezes, quase me sinto um pastor de um culto alternativo a anunciar a palavra (e a sílaba, e a frase e o texto) e a prometer a vida eterna…
Regresso a Lisboa no dia 31/8, mas, confirmando-se o financiamento das viagens, há uma forte possibilidade de regressar na última semana de setembro para mais um mês de trabalho num projeto diferente, mantendo-se o trabalho com os funcionários do hotel.
Abraço.
ProfAP

agosto 21, 2019

Bissau - à procura da inspiração perfeita!

Numa planta a aqui chamam caldo-verde (comestível), um gafanhoto em fato de cerimónia!


No âmbito do projeto de escrita criativa "Vamos escrever poemas haiku?" do curso Kripor 3, com jovens guineenses, bolseiros do governo português, aproveitando uma aberta na chuva intensa que tem caído, fizemos um percurso por alguns espaços verdes da cidade de Bissau, abertos a sensações visuais, olfativas, auditivas e táteis. 


Ponto de partida: Hotel Coimbra (local da sala de aula).

No Parque Urbano Nbatonha a visita alongou-se, pois os motivos de interesse botânico e zoológico são abundantes.
Início da observação e registo de notas e fotos.

Cores, formas e aromas...

No final da visita ao Parque, mais uma foto de grupo.

Mais um espaço noutra zona da cidade, onde tudo foi escrutinado com detalhe...

Na última paragem (espaços ajardinados da embaixada de Portugal), fomos recebidos calorosamente pela equipa da cooperação, dirigida pelo Dr. António Nunes (na imagem, à esquerda).
Seguiu-se hoje a escrita, partindo das notas e fotos. Em breve, partilharei os belos poemas que os jovens escreveram.


Abraço.
AP.

julho 30, 2019

Bijagós 9 - momentos mágicos: Inhodá em Canhabaque

Cogumelo? Não. Apenas uma termiteira...

Nas ilhas, há duas autoridades: os Bijagós (que são donos das terras, que podem vender ou alugar, em geral, a estrangeiros) e o estado guineense (que recebe impostos – entre outros, uma espécie de IMI). As coisas nem sempre correm bem, mas os Bijagós são duros de roer.
Dito isto, como a Solange (do hotel "Ponta Anchaca" em Rubane) queria construir um acampamento na Ilha de Canhabaque para apoio aos turistas que participam em expedições de pesca, teve de apresentar o projeto à comunidade da tabanca de Inhodá. Embora haja outras tabancas (parece que são 14), o local do acampamento (Ponta Inhodá – solo sagrado) pertence à tabanca de Inhodá.
A Ilha de Canhabaque (também conhecida como Roxa), a par da distante Ilha Caravela, tem o título da mais bela, com vegetação luxuriante e praias de tirar o fôlego, alternadas com formações rochosas. Foi a primeira ilha do Arquipélago a ser habitada (tendo nos dias de hoje cerca de 2500 habitantes) e é considerada a mais tradicional nos costumes e modo de vida, com uma organização social matrilinear, em que as mulheres têm uma forte predominância na gestão e na manutenção do equilíbrio das tabancas.
Depois de uma noite muito mal dormida, com cabeça a andar à roda, pela mistura de bebidas que imprudentemente fiz nos aperitivos e jantar da noite anterior, saí do bangalô e cruzei-me com a Solange, que andava a apanhar cogumelos selvagens (enormes e de sabor muito delicado), e me interpelou (“Buon dia, Antôniô! Quêrês irr à Canhabaque?”). Com a pouca energia que tinha, respondi que sim. “Vine!”, rematou. O verbo vir é tramado…
Pouco deois, felizmente, veio fora o jantar não digerido. Embora continuasse a sentir-me como uma esfregona em de fim de vida, foi um alívio enorme que me permitiu viver a aventura que passo a relatar.
À hora estabelecida, saímos de Rubane (a Solange, a Wal e os 12 estagiários da tabanca que íamos visitar que estão a trabalhar no “Ponta Anchaca”), com o Kabi e o Agostinho aos comandos do barco.
Depois de cerca de 40 minutos de viagem, com a perícia do Kabi, entrámos no mangal, percorrendo estreitos canais até onde a navegabilidade permitiu.

Descalços, saltámos para a água. Mal entrámos no pântano de água fétida, fomos atacados pela mosquitagem voraz e por uma espécie de moscardos. Um exército alado que parecia estar à nossa espera, sobretudo dos brancos…

Entrámos num caminho da floresta, próprio de uma história de encantar: trepadeiras, frutos silvestres, palmeiras, cajueiros, mangueiras (disseram-me que há uma espécie selvagem). 
No alto das árvores, como uma orquestra, as aves não se fizeram rogadas a dar corpo à banda sonora daquele cenário de filme.
Seguimos em fila indiana durante quase uma hora e, embora tropeçasse aqui e ali, fiz de tripas coração com o ânimo em alta e a ajuda do Agostinho que fez questão de carregar a minha bagagem.

Mesmo antes de chegarmos ao destino, como se estivéssemos numa história de Asterix, duas árvores enormes deixaram-me sem palavras. Uma espécie de porta de entrada para a tabanca. Não surpreende que Canhabaque seja considerada uma ilha encantada para os animistas, havendo mesmo a crença de que as árvores falam...

Na tabanca, edificada estrategicamente numa clareira ladeada de centenárias árvores sagradas, fomos recebidos com entusiasmo e seguidos e interpelados pelas muitas crianças da comunidade. Tal como na tabanca que visitámos em Bubaque, todos conhecem a Solange.
As pessoas importantes são enterradas na tabanca.

Num ritmo pastoso, que aqui o tempo tem todo o tempo do mundo, sobretudo se houver comida para todos, o cenário da assembleia foi sendo montado: cadeiras para “homens grandes” (ou seja, mais idosos, e a quem cabe o papel de ouvir as propostas, pedir esclarecimentos e, finalmente, tomar uma decisão, para a qual não há recurso), para nós e para os homens ainda não “grandes”, mas na casa dos 40-50 anos. Os restantes participantes  tiveram de trazer o seu próprio banco ou sentar-se no chão.
Finalmente, já com toda a tabanca reunida (incluindo as crianças, talvez um pouco mais de 100 pessoas), chegaram os “homens grandes” e, depois de uma sessão de cumprimentos, a assembleia começou.
Num silêncio absoluto, a Solange apresentou o seu pedido num circuito comunicativo espantoso: ela falava em francês (nalguns momentos, em português, com a minha ajuda), o Nautan (funcionário do hotel) traduzia para crioulo e o Castro (estagiário no hotel e nascido e criado na tabanca onde estávamos) passava para bijagó. Os “homens grandes” e os que referi na casa dos 40-50 anos trocavam argumentos em voz bem alta para que todos ouvissem e iam apresentando contrapropostas ou pedidos de esclarecimento, invertendo-se a ordem das línguas: bijagó-crioulo-francês.
Depois de mais de uma hora de troca de argumentos, todos se viraram para o homem mais velho da tabanca (até aí em silêncio e de olhos semicerrados). 
Fez-se silêncio... 
Passados alguns segundos, fez um breve discurso. Gritou a última palavra e deu um murro no banco em que estava sentado como se estivesse muito zangado. Não sei reproduzir a palavra, mas, assim que a pronunciou, toda a aldeia riu e bateu palmas. O Castro explicou-me que ele disse que estava farto de ser sempre ele a tomar as decisões e que já era tempo de eles próprios encontrarem o caminho certo. A tal palavra acompanhada do murro no banco era “merda!”
Depois de nova discussão com vários intervenientes, foi proposta ao decano uma decisão, tendo sido aprovada. O acampamento podia ser construído, usando como mão de obra os jovens da aldeia, com entrega à comunidade de um determinado número de sacos de arroz (base da alimentação nas ilhas e em toda a Guiné). No entanto, a construção (com caráter provisório, ou seja, de madeira, por ser um espaço sagrado) não poderia começar de imediato como solicitado, mas apenas daí a duas semanas para permitir que a comunidade de pescadores da Guiné Conacri lá instalada pudesse transferir-se para outra parte da ilha, também numa baía, que lhes iria ser cedida.
 Depois da maratona, o descanso dos tradutores...

Os "homens grandes". À esquerda, o tal da m...

O Agostinho Quintino (um "homem grande" cheio de sabedoria e sentido de humor) acompanhado por um possível sucessor. Pose, o miúdo já tem!

Quando a assembleia foi encerrada (sendo a ata a memória de todos), despedimo-nos, os “homens grandes” retiraram-se e iniciámos o regresso até ao barco por um caminho diferente. 

Mesmo ensonado, não deixei de me encantar com as pequenas coisas (como aquela termiteira em forma de cogumelo no início do post) e de começar a organizar a sequência dos acontecimentos e as emoções para, com as notas que fui registando num minibloco, escrever este relato.
Após 45 minutos de caminhada, chegámos à praia. 
Adeus, Canhabaque...

Mal entrámos no barco, caiu uma chuvada tão forte que nem tempo houve para vestir os impermeáveis. Com a maré favorável, em cerca de 30 minutos, pusemo-nos em Rubane.
Depois de uma refeição ligeira, caí na cama e dormi a tarde toda, pois fui dispensado das aulas.
Ao jantar, já estava recuperado e com apetite. Mas bebida, só mesmo água!

Abraço.
ProfAP

Nota final: A população de Inhodá (como de muitas outras tabancas) vive em condições deploráveis: sem qualquer apoio de saúde, as pessoas passam suplícios com dores de cabeça ou de dentes, dores incapacitantes de costas, malária, podendo qualquer pequena ferida passar rapidamente a uma infeção grave. Se juntarmos o alcoolismo (aguardente de cana, vinha da palma, vinho de caju), potenciado pelas cerimónias, compreende-se que a morte esteja sempre presente. Morrem muitas crianças, mas não é raro encontrar jovens na casa dos 30 anos já sem um dos pais ou sem o cônjuge.

julho 29, 2019

Bijagós 8 - momentos mágicos: pessoas 1

Pela floresta, a caminho da Tabanca...

Quando a Solange me perguntou se queria acompanhá-la na ida a uma cerimónia de consagração do novo régulo da tabanca de enen, fiquei nas nuvens. É algo reservado e acontece apenas quando o régulo em funções morre e é escolhido outro pela comunidade. Por ser um momento especial, as celebrações prolongam-se no tempo com cerimónias (onde não faltam a aguardente de cana e o vinho da palma) e danças rituais.
No dia D, saímos de barco de Rubane, chegando cerca de 15 minutos depois ao porto da ilha de Bubaque. 

Aí, iniciámos uma caminhada de quase uma hora pela floresta em direção ao interior da ilha. Enquanto caminhávamos, foram-se juntando a nós crianças aparecidas do nada. Cercavam-nos, diziam coisas que não entendia e revezavam-se para nos darem a mão.
Por fim, chegámos à aldeia e a receção foi apoteótica: crianças, muitas crianças, danças, abraços e beijos que recebi dos homens mais velhos. Como já conhecem a Solange, o interesse centrou-se em mim e, vezes sem conta, lá fui contando quem era e o que estava a fazer nos Bijagós. Alguns, malandramente, queriam saber se eu e a Solange “coisa e tal”. 

Fomos equipados com os trajes tradicionais e fui convidado a entrar com a Solange na casa das “mulheres grandes” (as mulheres mais velhas), num gesto de apreço, pois normalmente só a ela seria permitida a entrada. Entrámos na palhota espaçosa, numa quase escuridão. Sentámo-nos no chão e só então me apercebi que havia no espaço várias mulheres. A que estava ao meu lado entrou numa espécie de transe e começou a murmurar-me coisas ininteligíveis ao ouvido. Divertida, a Solange disse-me ao outro ouvido: “Elá gostá dê ti!” Já que estava ali para uma experiência única, deixei-me levar pelo ambiente. Coloquei a mão dela entre as minhas e, à medida que ela ia dizendo coisas, olhava-lhe para o rosto difuso na penumbra e ia acenando afirmativamente com a cabeça, sorrindo-lhe, o que parece ter-lhe agradado.  Seguiu-se, ainda dentro da palhota, a discussão das oferendas (dinheiro e/ou aguardente de cana) para a realização de uma cerimónia de proteção dos espíritos maus que vagueiam na floresta.
Já no terreiro, chegou o momento mais temido: a participação na dança. Uma jovem agarrou-me o braço e percebi que não tinha escapatória. Como sou um pé de chumbo, lembrei-me do tática da Solange: bater o pé direito, levantar o braço esquerdo e, a seguir, bater o pé esquerdo e levantar o braço direito e abanar o rabo. De preferência, fazendo isso tudo ao mesmo tempo. 
A Solange com a saia tradicional.

Garanto-vos que é mais fácil de dizer do que pôr em prática. Na minha descoordenação aflitiva, lá fiz o que pude. 
À esquerda, a casa da mulheres grandes.


O espetáculo que deve ter sido bom, pois as crianças e as mulheres riram que só visto e vários homens vieram abraçar-me, encaixando o pescoço no meu, e, enquanto me beijavam, diziam com ar muito festivo "António, António, António!". O afeto e a aguardente de cana (mais alcoólica que a nossa aguardente vínica) a ganharem asas. Inesquecível!
Foi uma deceção para todos quando o Solange disse que tínhamos de regressar. A despedida traduziu-se em prolongadas manifestações de carinho: agarrar a mão,  acariciar, abraçar, beijar.
 Na despedida, fui escoltado numa parte do caminho com mais dança e batuque. Uma festa!

Regressámos ao porto de Bubaque num atrelado de motorizada previamente reservado.
Já no atrelado, com uma peça de um artista da tabanca feita da madeira de poilão (também chamada sumaúma), uma árvore sagrada para os Bijagós.


No regresso a Rubane, quatro dos seis cães do hotel (de uma raça local) aguardavam-nos com lamentos e uivos. Só não estavam a Princesse (que é cega) e a Chita (obesa).

Uma experiência única que vou guardar no cantinho da memória reservado aos "momentos mágicos".
Viva o novo régulo!
Abraço.
AP
P.s.: Tentarei partilhar em breve outro momento especial: a visita à tabanca de Inhodá na ilha de Canhabaque.

julho 18, 2019

Bijagós 7: O quadro mágico!



Muito se pode fazer com muito pouco.
Depois de ter procurado várias possibilidades para encontrar um quadro que se pudesse dobrar (em papel ou plástico), as hipóteses encontradas eram ou difíceis de transportar ou caras para os fundos disponíveis para a compra do quadro e dois marcadores (15€). Afinal, tudo se resolveu mesmo em cima da partida:
1. Depois de ter vasculhado todas as lojas chinesas da minha zona, encontrei sétima e última o que queria: um plástico oleado daqueles de forrar as gavetas por apenas 2€50. Agrafei uma espécie de bainha em cima e em baixo e à chegada foi só encontrar duas tabuinhas à medida: uma para pôr um cordel para pendurar e outra para fazer peso em baixo. Um balde com água e um pano eram o toque que faltava nesta tecnologia do CCR (caçar com rato).
2. Quanto aos marcadores, através da Cláudia Manata, recebi-os do Sr. Fernando e da D. Céu, proprietários da Paliarco Papelaria, Livraria, Arte e Comércio (S. Marcos – Cacém). Marcadores, mas também muitos outros materiais como borrachas, cadernos e capas, tudo entregue aos jovens estagiários, para que possam ir fazendo um diário para lerem numa sessão plenária no final do mês.
Abraço.
AP