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julho 29, 2019

Bijagós 8 - momentos mágicos: pessoas 1

Pela floresta, a caminho da Tabanca...

Quando a Solange me perguntou se queria acompanhá-la na ida a uma cerimónia de consagração do novo régulo da tabanca de enen, fiquei nas nuvens. É algo reservado e acontece apenas quando o régulo em funções morre e é escolhido outro pela comunidade. Por ser um momento especial, as celebrações prolongam-se no tempo com cerimónias (onde não faltam a aguardente de cana e o vinho da palma) e danças rituais.
No dia D, saímos de barco de Rubane, chegando cerca de 15 minutos depois ao porto da ilha de Bubaque. 

Aí, iniciámos uma caminhada de quase uma hora pela floresta em direção ao interior da ilha. Enquanto caminhávamos, foram-se juntando a nós crianças aparecidas do nada. Cercavam-nos, diziam coisas que não entendia e revezavam-se para nos darem a mão.
Por fim, chegámos à aldeia e a receção foi apoteótica: crianças, muitas crianças, danças, abraços e beijos que recebi dos homens mais velhos. Como já conhecem a Solange, o interesse centrou-se em mim e, vezes sem conta, lá fui contando quem era e o que estava a fazer nos Bijagós. Alguns, malandramente, queriam saber se eu e a Solange “coisa e tal”. 

Fomos equipados com os trajes tradicionais e fui convidado a entrar com a Solange na casa das “mulheres grandes” (as mulheres mais velhas), num gesto de apreço, pois normalmente só a ela seria permitida a entrada. Entrámos na palhota espaçosa, numa quase escuridão. Sentámo-nos no chão e só então me apercebi que havia no espaço várias mulheres. A que estava ao meu lado entrou numa espécie de transe e começou a murmurar-me coisas ininteligíveis ao ouvido. Divertida, a Solange disse-me ao outro ouvido: “Elá gostá dê ti!” Já que estava ali para uma experiência única, deixei-me levar pelo ambiente. Coloquei a mão dela entre as minhas e, à medida que ela ia dizendo coisas, olhava-lhe para o rosto difuso na penumbra e ia acenando afirmativamente com a cabeça, sorrindo-lhe, o que parece ter-lhe agradado.  Seguiu-se, ainda dentro da palhota, a discussão das oferendas (dinheiro e/ou aguardente de cana) para a realização de uma cerimónia de proteção dos espíritos maus que vagueiam na floresta.
Já no terreiro, chegou o momento mais temido: a participação na dança. Uma jovem agarrou-me o braço e percebi que não tinha escapatória. Como sou um pé de chumbo, lembrei-me do tática da Solange: bater o pé direito, levantar o braço esquerdo e, a seguir, bater o pé esquerdo e levantar o braço direito e abanar o rabo. De preferência, fazendo isso tudo ao mesmo tempo. 
A Solange com a saia tradicional.

Garanto-vos que é mais fácil de dizer do que pôr em prática. Na minha descoordenação aflitiva, lá fiz o que pude. 
À esquerda, a casa da mulheres grandes.


O espetáculo que deve ter sido bom, pois as crianças e as mulheres riram que só visto e vários homens vieram abraçar-me, encaixando o pescoço no meu, e, enquanto me beijavam, diziam com ar muito festivo "António, António, António!". O afeto e a aguardente de cana (mais alcoólica que a nossa aguardente vínica) a ganharem asas. Inesquecível!
Foi uma deceção para todos quando o Solange disse que tínhamos de regressar. A despedida traduziu-se em prolongadas manifestações de carinho: agarrar a mão,  acariciar, abraçar, beijar.
 Na despedida, fui escoltado numa parte do caminho com mais dança e batuque. Uma festa!

Regressámos ao porto de Bubaque num atrelado de motorizada previamente reservado.
Já no atrelado, com uma peça de um artista da tabanca feita da madeira de poilão (também chamada sumaúma), uma árvore sagrada para os Bijagós.


No regresso a Rubane, quatro dos seis cães do hotel (de uma raça local) aguardavam-nos com lamentos e uivos. Só não estavam a Princesse (que é cega) e a Chita (obesa).

Uma experiência única que vou guardar no cantinho da memória reservado aos "momentos mágicos".
Viva o novo régulo!
Abraço.
AP
P.s.: Tentarei partilhar em breve outro momento especial: a visita à tabanca de Inhodá na ilha de Canhabaque.

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