QUASE, o poema que prefiro. Um dos mais bonitos (embora triste), o mais universal de todos os que escreveu.
Excelente interpretação de NOVO CANTO PORTUGUÊS II.
Excelente interpretação de NOVO CANTO PORTUGUÊS II.
Faz hoje exatamente 100 anos que Mário de
Sá-Carneiro se suicidou em Paris, com apenas 25 anos. Numa crescente angústia e
perdido no «labirinto de si próprio», envia, em 31 de março de 1916, uma carta
a Fernando Pessoa, uma espécie de morte anunciada:
Meu
Querido Amigo.
A
menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu
Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste
mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo
ridículo que sempre encontrei nas "cartas de despedida"... Não vale a
pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto
sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que
tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei
pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade
– numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a
única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como
sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da
minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros
roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre,
psicologicamente, às mil maravilhas: mas não tenho dinheiro. [...]
Menos de um mês depois, no
Hôtel de Nice, no bairro de Montmartre, vai-se deste mundo, com o recurso a
cinco frascos de arseniato de estricnina.
No ano da morte, escreve o poema "Fim":
No ano da morte, escreve o poema "Fim":
Fim
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
Poeta, contista e ficcionista,
foi um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados
membros da Geração d’Orpheu.
Morreu o homem, viva o poeta!
Abraço a todos.
ProfAP
Morreu o homem, viva o poeta!
Abraço a todos.
ProfAP
QUASE
Um pouco mais de sol -- eu era
brasa,
Um pouco mais de azul -- eu
era além.
Para atingir, faltou-me um
golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse
aquém...
Assombro ou paz? Em vão...
Tudo esvaído
Num grande mar enganador de
espuma;
E o grande sonho despertado em
bruma,
O grande sonho -- ó dor! --
quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo
e a chama,
Quase o princípio e o fim --
quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se
derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e
tudo errou...
— Ai a dor de ser-quase, dor
sem fim...—
Eu falhei-me entre os mais,
falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que
desbaratei...
Templos aonde nunca pus um
altar...
Rios que perdi sem os levar ao
mar...
Ânsias que foram mas que não
fixei...
Se me vagueio, encontro só
indícios...
Ogivas para o sol — vejo-as
cerradas;
E mãos de herói, sem fé,
acobardadas,
Puseram grades sobre os
precipícios...
Num ímpeto difuso de
quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o
desencanto
Das coisas que beijei mas não
vivi...
Fonte consultada: https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_de_S%C3%A1-Carneiro
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