A abrir, a interpretação de Sérgio Godinho.
São inúmeros os exemplos de quem
não entende que a poesia (e a literatura em geral) é para ser comida inteira,
como uma peça de fruta com a casca ou umas petinguinhas fritas em azeite (com a espinha e as cabecinhas estaladiças).
E se se optar pela autópsia (a confirmação inequívoca do
assassínio!), que se chame cada peça pelo nome que tem e não, como no extrato
abaixo transcrito, se ponha o rótulo do “presente do indicativo” a “cativo”, que é um adjetivo com origem no particípio passado…
“O poema inicia-se com o pronome
demonstrativo “Aquela”, como se se pretendesse marcar a distância existente
entre este “eu” e a mulher. De seguida, e através de um trocadilho entre o nome
“cativa” e a forma verbal
do verbo cativar no Presente do Indicativo, “cativo”(…)”
Endechas A Bárbara Escrava
Aquela cativa que me tem cativo,
Porque nela vivo já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa em suaves molhos,
Que para meus olhos fosse mais formosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha.
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa.
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo
E pois nela vivo,
É força que viva.
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