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novembro 08, 2016

"Aquela Cativa", especialmente para Mário Centeno!

A abrir, a interpretação de Sérgio Godinho.

Na promoção do OE para 2017, o Ministro das Finanças recorreu a Camões com um extrato da composição “Endechas a Bárbara escrava”. Quis certamente trazer poesia ao debate, o que é de louvar. Mas se, nas palavras de Natália Correia, “a poesia é para comer”, já esquartejá-la, não me parece bem. Não é bonito e é desperdício. Logo, fica o conselho a Mário Centeno: Coma (poesia), mas em silêncio…
São inúmeros os exemplos de quem não entende que a poesia (e a literatura em geral) é para ser comida inteira, como uma peça de fruta com a casca ou umas petinguinhas fritas em azeite (com a espinha e as cabecinhas estaladiças).
E se se optar pela autópsia (a confirmação inequívoca do assassínio!), que se chame cada peça pelo nome que tem e não, como no extrato abaixo transcrito, se ponha o rótulo do “presente do indicativo” a “cativo”, que é um adjetivo com origem no particípio passado…

O poema inicia-se com o pronome demonstrativo “Aquela”, como se se pretendesse marcar a distância existente entre este “eu” e a mulher. De seguida, e através de um trocadilho entre o nome “cativa” e a forma verbal do verbo cativar no Presente do Indicativo, “cativo”(…)”


Para terminar, Zeca Afonso.

Endechas A Bárbara Escrava

Aquela cativa que me tem cativo,
Porque nela vivo já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa em suaves molhos,
Que para meus olhos fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha.
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa.
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo
E pois nela vivo,

É força que viva.

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